AUDIÊNCIA DE DOM LUIZ CAPPIO COM O PRESIDENTE LULA (NOTAS PROVISÓRIAS)

Auteurs

  • Ruben Siqueira
  • Henrique Cortez

DOI :

https://doi.org/10.25247/2447-861X.2007.n227.p50%20-%2056

Résumé

1.1. De início, Dom Luiz Flávio Cappio, referindo-se ao curto diálogo que tivera a sós com o presidente, minutos antes, disse que, como combinado, então falara o coração e que agora falaria a razão... Agradeceu o “gesto de grandeza” do presidente em ter suspendido as obras da Transposição na negociação que pôs fim à greve de fome, o que incluía esta audiência, e ter aberto o diálogo que inexistia. Referiu-se ao apoio surpreendente e extraordinário que teve o seu gesto (“milhões de adesões pela Internet”) e entregou ao presidente um calhamaço com milhares delas. Passou, então, a apresentar os documentos resultantes do Seminário Que todos tenham vida, acontecido em 14 e 15 de dezembro de 2005, em Brasília (DF), com a participação de respeitados representantes da sociedade organizada e da academia, lendo a “capa” e o “índice” (a síntese e os títulos) dos três documentos, comentando-os brevemente e passando-os às mãos do presidente2 . 1.2. O ministro Jaques Wagner tomou a palavra dizendo ser necessário reafirmar os termos de Cabrobó (PE): não era iniciar, mas dar continuidade ao diálogo, pois o governo não aceita que não tivesse havido diálogo antes. 1.3. O ministro Ciro Gomes pede a palavra para contestar os termos da apresentação de Dom Luiz Cappio. Começa rechaçando que a revitalização seja uma “farsa”, pois este governo investiu mais que qualquer outro na revitalização e cita números do que está sendo feito em saneamento e recomposição da mata ciliar (mudas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra/MST). Não aceita que não falte água no Nordeste e, ironizando “um professor do Rio Grande do Norte”, tenta contrapor-se aos cálculos do professor João Abner, que confundiria a capacidade dos reservatórios com a água efetivamente disponível... Deu o exemplo de Campina Grande (PB), que sofre uma escassez crônica que a impede de crescer. Disse que a percepção empírica é diferente de quem está lá e de quem vê de fora. Discorre sobre sua 1 Estavam presentes na audiência, realizada em Brasília (DF), no dia 15 de dezembro de 2005, além do presidente, os ministros Jaques Wagner e Ciro Gomes, e o porta-voz André Singer. Com Dom Luiz Cappio estavam Dom Tomás Balduíno (presidente da Comissão Pastoral da Terra/CPT), Dom Mário Savieri (bispo de Propriá, SE), Dra. Luciana Khoury (Ministério Público da Bahia), Henrique Cortez (ambientalista), Adriano Martins (sociólogo), Leninha (Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas/CAA e Articulação no Semi-Árido Brasileiro/ASA) e Ruben Siqueira (Comissão Pastoral da Terra/CPT-BA). As observações em colchetes são de Henrique Cortez. 2 Os três documentos são: Por que somos contrários ao Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco para o Nordeste Setentrional, Pauta de Discussão sobre a Bacia Hidrográfica do São Francisco e Pauta de Discussão sobre o Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido Brasileiro. experiência como governador do Ceará, quando entrou em colapso o abastecimento de Fortaleza (CE) e ele teve que fazer em tempo recorde o Canal do Trabalhador... Discorda igualmente que o rio São Francisco não agüenta a Transposição. Aqui também haveria uma percepção diferente entre a população do São Francisco e a do Nordeste. Serão apenas 1,4% dos 2.800 m3 /s que Sobradinho verte, como neste ano e no ano que vem também. A decisão do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) teria sido egoísta ao definir apenas por 26 m3 /s possíveis de serem transpostos se não houver usos para eles na própria bacia. Reafirma que houve ampla consulta à sociedade sobre o Projeto, mas as audiências foram boicotadas, com liminares judiciais e até a mão armada, como em Aracaju (SE), insinuando estar por trás o governador João Alves. Acusa de termos propositalmente (“uma chicana”) deixado para a última hora o pedido de liminar contra a sessão plenária do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) que ia deliberar a favor do Projeto. Insinua que somos bem intencionados mas estamos fazendo o jogo do Partido da Frente Liberal (PFL, atual Democratas, DEM) da Bahia e de Sergipe. Disse que o governo federal convocou um seminário (o de 9 de dezembro) e enviou 1.500 convites, mas não veio ninguém, sinal de que nós não queremos de fato dialogar... [Ruben contestou dizendo que foi de última hora e a menos de uma semana do Seminário que Dom Luiz Cappio havia convocado, com o intuito de esvaziá- lo...]. 1.4. Dra. Luciana pede a palavra e faz a defesa do Ministério Público e da sociedade quanto às ações impetradas na Justiça, legítimas e estritamente dentro da legalidade, diferentemente do governo, que já iniciou as obras com o Exército, em desrespeito à determinação do Tribunal Regional Federal (TRF) da Bahia. Ao que o ministro Ciro Gomes retrucou dizendo que o Exército está em Cabrobó (PE) a serviço dos Truká... [“Esqueceu-se” que em Icó- Mandantes, Petrolândia (PE), local de tomada do Eixo Leste da Transposição, não existem Trukás e o Exército está operando.]. 1.5. O presidente Lula toma a palavra e faz uma retomada histórica de sua posição frente ao Projeto de Transposição, desde a proposta do ministro Fernando Bezerra (governo Fernando Henrique Cardoso) que ele encontrou até a entrega ao ministro Ciro Gomes, passando pelo trabalho de consulta solicitado por ele ao vice-presidente José Alencar e pela campanha eleitoral, quando ele, ao contrário de outros, teria tido um mesmo discurso sobre o Projeto, tanto na região doadora quanto na receptora, afirmando que estudaria exaustivamente o assunto e só o faria se fosse viável sob todos os aspectos. E que se ele tomou a decisão de fazê-lo é porque esta viabilidade teria sido comprovada, porque ele não seria irresponsável de fazer isso sem essa comprovação. Todos os cuidados teriam sido tomados. E que o Projeto é ainda mais amplo: prevê a transposição de águas do Tocantins para o São Francisco e para o Parnaíba... Por isso, ele não estaria entendendo a atitude de Dom Luiz Cappio e a nossa. [Daqui para frente, seu tom de voz era quase sempre agressivo.] Sobretudo, o “gesto desagradável” pelo qual “registrou em cartório sua vida em minha responsabilidade”, o que teria sido, para ele, “muito constrangedor”. “Dom Luiz Cappio podia ter conversado comigo antes”, disse. [Interessante é que este foi o mesmo argumento de Frei Betto contra o jejum de Dom Luiz Cappio...]. Discordou veemente da expressão “socialmente injusta” e “insignificante” [não reproduziu o “espacialmente”] referentes à Transposição, no texto lido por Dom Luiz Cappio. Disse que, se discordamos e nos mobilizamos contra o Projeto, outros tantos o fariam a favor, que ele poderia levantar “milhões de assinaturas” defendendo, ter “greves de fome a favor”, que há bispos no Nordeste que concordam. Inquiriu mais de uma vez: “Qual o fórum que disso isso?”; “Onde, quando e com quem vamos debater” e “Não aceitam a Transposição mas não querem discutir?”. Afirmou não querer ser “o pai do Projeto”, mas que é possível e ele quer “fazer alguma coisa para minimizar a sede no Nordeste”. Afirmou estar disposto a fazer todos os debates que acharmos necessários (com técnicos, bispos, sindicalistas etc.), além dos muitos já feitos (na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil/CNBB, na Central Única dos Trabalhadores/CUT etc.), desde que acatemos a decisão que resultar deste processo, que não dá para ficar protelando... Que “o jurídico é bom porque chega uma hora e decide” [Do que se infere estar apenas esperando a decisão favorável do Supremo Tribunal Federal/STF para começar as obras]. Aceita o debate técnico mas não a luta política; que, se é para fazer movimento, luta política, ele também sabe e vai fazer, vai mobilizar quem apóia o Projeto... Fez um desabafo: tem consciência de que está fazendo o certo, “o que é possível dentro da realidade política”, com consciência de que não é o ideal. Disse preservar seu maior patrimônio que é a “cabeça erguida”, com a qual entrou e vai sair da presidência, “voltar para São Bernardo”, para seu mesmo apartamento. Lá não teria “problema de água”... Ele quer fazer algo para resolver a seca no Nordeste, porque ele seria fruto dela (a migração de Pernambuco para São Paulo) e em Santos (SP) trabalhou no porto puxando pesados baldes de água e sabe da dificuldade. “Eu sei o que é falta d’água”, disse. Continuou afirmando que, se somos contra o Projeto de Transposição, é nosso direito ser, mas que temos o dever de mostrar alternativas, que ele está aberto a ser convencido do contrário, mas não sendo vai fazer a Transposição, não pode deixar de fazê-la... 1.6. Dom Luiz Cappio interrompeu para lembrar que inúmeras vezes havia procurado o governo sobre a Transposição, através da assinatura em inúmeros abaixo-assinados ao Planalto, o que de nada adiantou, que, então, não pode ser acusado de não ter procurado antes o governo. Se há real vontade de fazer algo contra a escassez de água no Nordeste, o governo deveria empregar a verba da Transposição em várias pequenas obras que comprovadamente dão mais resultado. Deu o exemplo: os 4,5 bilhões de reais [valor do orçamento da Obra àquela época...] dariam para construir três milhões de cisternas, o que daria duas para cada família do Semi-Árido... 1.7. O ministro Ciro Gomes questionou, ponderando que este dinheiro não existe e que o governo tem que administrar uma grande quantidade de demandas legítimas, e que isso é governar, na realidade, não no sonho da oposição. Afirmou que cisternas só não resolvem e o governo as está fazendo, no ritmo da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), que é lento, o que é bom, pois não teria tanto dinheiro para mais e mais rapidamente. Complementou que aceita as críticas bem intencionadas, mesmo que equivocadas, mas não aceita falas como as de Dom Tomás Balduíno, que acusou a obra de eleitoreira e para “fazer caixa 2” para a campanha eleitoral... Disse que isso não admitia, que era briguento mas jamais desonesto... 1.8. O presidente Lula retomou a palavra para dizer que a Transposição e as cisternas não são incompatíveis, mas complementares, uma atende à população difusa e a outra à população concentrada nos centros urbanos [a mesma posição de Ciro Gomes]. Que administra o dinheiro possível, com excesso de demandas, que a situação dele é “como a de um pai que nega o dinheiro pedido pelo filho porque não tem para lhe dar, mas o filho vai para a rua dizer que o pai é ruim porque não lhe deu dinheiro”... Por fim, afirmou que quer o diálogo, que digamos onde, quando e com quem: “Aproveitem que será a última chance para discutir”. Insinuou que outro governo não vai ser complacente e aberto como ele tem sido com os movimentos sociais. Exigiu que o debate não seja ad aeternum, que precisa chegar a um termo, o qual deve ser acatado por todos. Disse que não podemos impor que seja discutida apenas a nossa proposta, sem querer debater a do governo. Propôs que façamos um calendário de debates, com quem acharmos que deve participar, os setores e as pessoas, mas que isso tenha uma data para acabar. E desafiou: “se é possível resolver a água do Semi-Árido de outro jeito, provem”. Sugeriu que víssemos os resultados da última Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD) [que comprovou que caiu a renda dos mais ricos e subiu a dos mais pobres]. Concluindo, declarando que “é por isso que acho que valeu a pena” [passar o que está passando na presidência].

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Publiée

2016-06-17

Comment citer

Siqueira, R., & Cortez, H. (2016). AUDIÊNCIA DE DOM LUIZ CAPPIO COM O PRESIDENTE LULA (NOTAS PROVISÓRIAS). Cadernos Do CEAS: Revista crítica De Humanidades, (227), 50–56. https://doi.org/10.25247/2447-861X.2007.n227.p50 - 56

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